
A história recente do etanol no Brasil pode ser comparada a um filme com um roteiro marcado por mudanças repentinas. As primeiras cenas mostram o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva alardeando em todo o mundo o produto feito de cana-de-açúcar como uma alternativa sustentável aos combustíveis fósseis e algo que poderia mudar a economia nacional.
A narrativa continua com vitórias como a ampliação da frota de carros flex no país e a perspectiva de o etanol brasileiro poder entrar no mercado americano, após uma intensa disputa com produtores e lobistas locais.
Mas o que se segue é uma reviravolta surpreendente, com o país sem etanol suficiente para exportar e, no âmbito doméstico, carros flex sendo abastecidos sempre com gasolina, por custar menos que o etanol.
No outro extremo das bombas de combustível, o setor vem enfrentando o fechamento sistemático de usinas. De 2008 a 2012, mais de 40 deixaram de funcionar, sendo 30 apenas entre 2011 e 2012, de acordo com a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar).
Assim, em pouco tempo, a ‘menina dos olhos’ do governo brasileiro acabou mergulhando no que muitos consideram uma grave crise.
Diante desse cenário, o governo lançou na semana passada um pacote de medidas para incentivar a atividade sucroalcooleira, que foi recebido por especialistas e algumas entidades como um alento importante, porém tímido demais para impulsionar o setor.
O Ministério de Minas e Energia, por sua vez, afirma que o pacote de medidas é resultado de um processo de negociação com o setor produtivo que começou em 2011 e durante o qual foram recebidas diversas sugestões. ‘Neste período, a equipe técnica do governo analisou os impactos das medidas sugeridas e definiu aquelas que são possíveis e necessárias’, diz o ministério, em nota.
Veja abaixo quatro pontos que ajudam a entender a atual crise do etanol brasileiro:
Falta de planejamento a longo prazo
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil e órgãos ligados ao setor concordam que o crescimento e a consolidação do etanol só vai ocorrer quando o governo colocar em prática uma política com efeitos de longo prazo.
‘A falta de planejamento do governo é a principal causa para a crise do etanol’, afirma o engenheiro e professor da Unicamp Luis Augusto Barbosa Cortez, especialista em bioenergia. ‘Essa indústria já está no país há mais de 40 anos e, mesmo assim, não há uma política consolidada. O governo só toma medidas esporádicas, que não resolvem o problema pela raiz.’
Cortez ressalta que uma das implicações dessa falta de planejamento é a dificuldade do setor em dissociar a produção de álcool da do açúcar, cujo preço no mercado internacional é mais alto e, portanto, mais atrativo para o fabricante.
‘Se conseguíssemos fazer essa separação, muitas usinas não precisariam ficar produzindo açúcar, e isso impulsionaria a produção de etanol.’
Fatores como esses contribuem para críticas sobre a estratégia energética do país. O projeto de liderar o mercado mundial de biocombustível parece não ser mais prioritário, em um momento em que o setor avança em outros países, caso do etanol de milho nos Estados Unidos.
Com a descoberta do pré-sal, o petróleo voltou a ganhar espaço. Com o foco de volta nos combustíveis fósseis, o etanol ficou em segundo plano.
A Unica elogiou o pacote de incentivos do governo, dizendo que ele aumentará em 2,3 bilhões de litros a demanda adicional por etanol nos postos, melhorará a competitividade e dará ‘fôlego’ ao setor (por conta de novas condições de financiamento e reduções de impostos). Mas pediu apoio ao financiamento de pesquisas sobre o etanol de ‘segunda geração’ (produzido com o bagaço da cana).
Em nota, na semana passada, a Unica setor ressaltou a importância de se buscar ‘incessantemente’ soluções de longo prazo para retomar o crescimento do setor e pediu, por exemplo, que se defina melhor o papel do etanol na matriz energética nacional.
Por meio de uma nota, o Ministério de Minas e Energia afirmou que o governo tem atuado para ‘oferecer condições para o aumento sustentável da competitividade do etanol’ e que ‘todas as medidas implementadas foram solicitadas pelo setor’. O ministério diz ainda que o etanol deve ser competitivo no longo prazo e, ‘para tanto, o setor deve atuar fortemente na redução dos custos de produção e no aumento da produtividade’.
Ainda de acordo com o governo, ‘a adoção de outras medidas de incentivo solicitadas pelo setor implicariam na volta de subsídios, o que se constituiria um retrocesso’.