Rose

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Rosemary, Rose, Rosa

Quando Rosemary saiu das sombras de seu chefe direto, Lula, e ficou mais famosa do que vilã de novela, ao ser demitida por Dilma, a fofoca correu o Brasil: “Sabia que ela era amante de Lula?”. Um amigo me dizia saber de fonte segura e insuspeita, do Palácio. Outro comentava apenas que era óbvio: “Eles viajavam juntos para todo lado, ela era uma secretária com superpoderes e com passaporte diplomático”.
O assunto começou a me dar asco. Creio que muitas mulheres já se viram em situação parecida. Foi promovida? É porque deu para o chefe. Viajaram juntos, foram para o mesmo hotel? É claro que transaram.
Inicialmente, nenhuma reportagem deixou claro que os dois teriam uma relação amorosa ou sexual. Mas todos os eufemismos foram usados. Rose é “amiga íntima” de Lula. Dona Marisa Letícia “não gosta de Rose”. Rose chama Lula de “tio”. Lula chama Rose de “Rosa”. Pedidos de Rosa para ajeitar a vida da filha e do ex-marido eram como ordens. Rose “rodou o mundo” com Lula. A Polícia Federal “gravou 122 ligações pessoais entre Rose e Lula”.
Não me interessa saber se o PR – sigla usada por Rosemary para tratar do então presidente em e-mails – e sua ex-chefe de gabinete em São Paulo trocavam carinhos. Se havia um caso consensual entre dois adultos, isso interessa apenas à ex-primeira-dama. A julgar pela ausência de Dona Marisa em evento do Calendário Pirelli, no Rio de Janeiro, onde Lula se aboletou sobre o decote de Sophia Loren, ele não escapará da CPI doméstica.

O importante para todos nós é que Rosemary, falastrona, não só pedia favores pessoais em nome de Lula. Para obter o que queria, ela se identificava como sua “namorada”. Se for verdade, e ela usou o sexo ou o amor como trampolim para defender interesses privados, isso é imoral, ilegal, irregular. Mulheres assim prestam um desserviço à categoria. E Lula, até que ponto ele permitiu que sua intimidade contaminasse suas decisões como líder político? Não é imoral apaixonar-se. Mas um presidente não pode misturar vida privada e pública, sob pena de, nas suas próprias palavras, “ser apunhalado pelas costas”. Dilma não gostou.

Até que ponto Lula deixou sua intimidade contaminar o Poder e, agora, acuar o governo Dilma?    
A imprensa sempre protegeu a vida particular de Fernando Henrique Cardoso e nunca fuçou suas aventuras ou romances extraconjugais. Era tabu falar de filhos de FHC fora do casamento, por ser um assunto estritamente privado. O adultério do senador Renan Calheiros só veio à tona porque havia uma empreiteira no meio do amorzinho com Mônica Veloso, a mineira que escancarou na Playboy os bens materiais de Renan. 
Esquecendo o lado picante – já que Rose não é nenhuma Mônica Veloso e nem com plástica seria convidada a posar nua –, os maiores estragos morais vêm do abominável “pequeno poder” de nossa República. Instalado por um governo que prometia ética, ética, ética. As revelações diárias da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, sobre as tramoias dos personagens envolvidos com o escritório da Presidência da República em São Paulo chocam, de certa maneira, até mais que o mensalão, um escândalo da alta política.

A Porto Seguro mostra a teia da baixa política. Um dos fios podres é a desmoralização de agências reguladoras. Com a indicação de Rose e a cumplicidade do senador “incomum” José Sarney, o Congresso aprovou raposas para regular os galinheiros. Foi o caso de Paulo Vieira, cuja incompetência técnica para dirigir a Agência Nacional de Águas (ANA) tinha sido atestada por especialistas.

Paulo chamou alguém do mesmo sangue, Rubens, para dirigir a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Os irmãos Vieira são acusados de coordenar um esquema de pareceres irregulares que favorecem amigos, senadores e parentes. Diplomas falsos, avaliações de faculdades no MEC, cargos apadrinhados em autarquias do governo, construções de portos e mansões particulares em ilhas de cabras e bagres. Violando regras e procedimentos. Rose e Paulo, amigos há dez anos, planejavam abrir um curso de inglês em São José dos Campos, Red Balloon (ou Balão Vermelho). É uma história muito brega, se não fosse perigosa.
Lula agora precisa explicar direitinho quem o apunhalou. Nunca antes na história um presidente foi tão traído. Duvido que fale antes da viagem de duas semanas que fará, a partir desta sexta-feira, para Paris, Berlim, Doha e Barcelona.
Há outra pergunta que não sai da minha cabeça. Qual foi o motivo da demissão fulminante de Rose?
1) um ato de coragem e retidão de Dilma por não compactuar com a corrupção?

2) um ato de irritação com uma personagem de cujo caráter Dilma suspeitava havia anos, tendo alertado Lula em vão?

3) uma manobra para evitar que Rose deponha no Congresso (governistas se opõem a sua convocação alegando que ela já foi demitida)?
Se a afobada Rose diz que não fez nada “imoral, ilegal ou irregular”, vamos dar a ela a chance de se defender. Não?  
RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)

6 COMENTÁRIOS

  1. As histórias memoráveis, a guerra contra a corrupção, a paixão da militância, as lágrimas torrenciais na derrota de Lula para Collor, em 1989, tudo foi por água abaixo e o partido patina no mesmo lodo dos demais.
    E vem mais histórias por aí.

  2. Cresce a pressão dentro do PT, principalmente entre os 'lulistas' de carteirinha, para que o chefe venha a público, e enfrente de uma vez por todas, os 'malfeitos' ocorridos no governo que antecedeu ao da atual presidente Dilma Rouseff. Na verdade, Lula até agora tem se mantido no território do 'não sabia', e levando pancada de todos os segmentos políticos, principalmente dos oposicionistas, que fazem dele saco de pancada, tendo como instrumento o agora notório mensalão.

  3. O tal braço direito:
    uma maldição nos governos do PT

    Primeiro foi Waldomiro Diniz, então braço-direito de José Dirceu. Um ano depois, foi a vez do próprio Dirceu, principal ministro do presidente Lula. Até a presidente Dilma Rousseff enfrentou de perto a maldição do número dois, quando Erenice Guerra, sua assessora mais próxima durante oito anos, foi pega em traficâncias suspeitas. Nos últimos dez anos, com frequência alarmante chegam às páginas notícias de que o principal assessor de uma alta autoridade do governo federal foi pego em irregularidades.

    Há dez dias, foi a vez de Rosemary Noronha chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo e do advogado-geral adjunto da União, José Weber de Holanda, serem acusados de participar de uma quadrilha que negociava pareceres de órgãos federais. Rosemary ganhou o cargo pelas estreitas ligações que mantinha com o ex-presidente Lula, e foi mantida pela presidente Dilma. Segundo aliados, a primeira declaração de Lula teria sido semelhante à de quando seu governo foi pego no mensalão:
    “Eu me senti apunhalado pelas costas…”.

    Os brasileiros não aguentarão mais um governo do PT, mesmo com os avanços sociais.

  4. A existência de 22 mil cargos de livre nomeação no governo federal permite que militantes políticos sem qualquer compromisso com o Estado assumam posições decisivas. Na opinião do cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília, esse aparelhamento explica casos de corrupção.

    É por isto que é importante o concurso público e o m,ínimo de cargos de confiança.

  5. De uma hora para outra, a começar pelo julgamento do mensalão, até chegar às revelações da Operação Porto Seguro, o que era um projeto vitorioso de resgate da cidadania reconhecido em todo o mundo levou um tiro na testa e foi jogado na sarjeta das iniquidades.

    ADEUS! pt.

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