Até quando vamos ser estupradas e condenadas por esse crime?

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A pergunta do título do artigo ressoa na cabeça de centenas de milhares de mulheres do Brasil de hoje, 05 de novembro de 2020, um dia após o vazamento do vídeo da audiência do caso Mariana Ferrer, jovem vítima de estupro praticado pelo empresário André Aranha, que fora covardemente hostilizada em sala de audiência da Justiça brasileira.

Ao ver aquela cena, onde a vítima ocupa o lugar do réu, onde o “nobre” advogado desfere golpes contra a mesma ofendendo sua honra, sua integridade, sua intimidade, podemos ver o corpo de Mariana ser mais uma vez violentado. Agora a olho nu, na frente de representantes do Estado, homens, brancos, ricos, que ignoram e são complacentes com mais um abuso. Mais um, menos um, é só uma mulher.

É só uma mulher que veste saia, que usa batom vermelho, que tira fotos provocantes, que abre as pernas para posar, que alimenta suas redes sociais com fotos mostrando o corpo. Que usa roupa colada. Que chora. É o que pensam os algozes.

Em verdade eu vos digo. É uma mulher, uma humana, que é livre para fazer o que quiser, que é livre para escolher suas vestimentas, que é livre para enfeitar-se, que é livre para exercer sua atividade ou profissão, que é livre para ir e vir onde desejar, que tem o direito de frequentar festas e boates, beber, sorrir, dançar, flertar, se relacionar, se assim desejar. Se assim desejar. Frisa-se. E se não desejar, tem o direito de se opor, de resistir, de dizer não, e o seu corpo deve ser respeitado, como templo de proteção de todos os direitos inerentes a figura humana que representa.

Do contrário, se isso não acontecer, não é pessoa humana. É coisa, é bem material, é objeto de prazer, é produto nas mãos dos homens poderosos que criam, recriam, interpretam, decidem e aplicam as legislações desse nobre país.

Estamos todas cansadas e sentindo as dores físicas e emocionais dessa mulher que já sofreu abusos demais para essa vida. Que teve que levantar sua voz, trêmula e cheia de angústia, a única voz feminina na sala de audiência, para pedir respeito, para pedir tratamento humanizado. Mais uma vez nos sentimos representadas por Mariana quando temos que gritar pedindo um basta, quando mesmo sentindo medo temos que pedir socorro às instituições e ao Poder Judiciário e, instintivamente, quando o fazemos sabemos que podemos não receber a proteção e amparo devido, pois sabemos que não podemos contar com aqueles que são condescendentes com preceitos seculares de machismo, misoginia, dominação e exploração da carne feminina.

Para muitos, para tantos, somos um corpo. Um corpo pronto para ser dominado e explorado. Um corpo, por vezes, resistente, que chora. Nos fragilizam, nos ridicularizam, nos calam, nos sufocam, nos diminuem, nos dominam e assistem a tudo isso passivamente, com certo regozijo no olhar. Um olhar já sem vida, já sem sensibilidade. É só mais uma mulher lançada na fogueira.

Por: Camila Nery | Jornal do Advogado

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