Estudo para o Sertão

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Em 2007 a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Uersa), antiga Esam, publicou o livro Grandes Ideias para o Desenvolvimento do Semi-Árido, uma coletânea de artigos e ensaios assinados por economistas, engenheiros, geógrafos, pesquisadores, professores universitários, políticos e administradores. O trabalho  foi organizado por Benedito Vasconcelos Mendes, engenheiro agrônomo (mestre pela Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, e doutor pela Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz, de São Paulo), professor e ex-diretor da Esam, escritor e pesquisador do mundo vasto mundo do semiárido nordestino. O livro é dedicado à memória de Vingt-um Rosado, “amigo e grande benfeitor da literatura, da arte e da ciência do Nordeste brasileiro”.

Grandes Ideias é um trabalho que deveria estar na mesinha de cabeceira de quantos se interessam pelos problemas do Nordeste. Dos políticos, principalmente, e que nestes dias cruciais da seca que vai castigando a região poderiam, aqui e acolá, despertando do ócio, consultar suas páginas. Ali estão informações – e sugestões – preciosas para o desenvolvimento da região. Um receituário perfeito que, tivesse sido seguido tempos atrás por quantos têm e tiveram a responsabilidade de dirigir os destinos da região, o Nordeste não estaria sofrendo tanto com esta seca.

Dos tantos artigos e depoimentos que eu li, quero ressaltar aqui o que escreveu Manoel Dantas Vilar Filho, engenheiro civil, ex-diretor do Instituto Nacional do Semiárido, pecuarista na condição de senhor da Fazenda Carnaúba, em Taperoá, Paraíba, um dos maiores estudiosos dos problemas do nosso semiárido, mais do que doutor nessas ciências e tecnologias. Conheço-o há mais de trintanos. Tenho o privilégio de frequentar, quando posso, os alpendres da sua  acolhedora casa duas vezes centenária. Por lá tem passado gente de muitas partes do país e até gringo. Pecuaristas, empresários, políticos, pesquisadores, professores universitários, estudantes. Todos querendo saber das coisas do sertão, buscando seus ensinamentos.

O texto de Manelito, tem o titulo de “Sugestões para o Desenvolvimento do Semiárido”. Transcrevo por inteiro:

– O desenvolvimento real do Nordeste terá de começar pela base: botar consistência em  tecnologias, atitudes e procedimentos apropriados, para a produção segura das suas majoritárias (95%) terras secas, ao par da educação civil e técnica que conduza a leituras positivas da Região, pensando conceitualmente na Semi-Aridez como vantagem.

– Vale lembrar o GTDN (1959) e Sudene dos começos: “…a seca é muito mais uma crise de oferta de alimentos à região do que uma crise na oferta de água” e que “… o problema continuará a ser como adaptar a economia regional às condições do meio físico.” E não pensando, na panaceia da irrigação artificial generalizada e excludente, como diretriz. Isso implicará em:

1. Considerar como atividade produtiva básica a Pecuária de ruminantes tropicais de múltipla função (leite, carne e pele) e convergir para essa hipótese todos os esforços intelectuais, políticos e materiais, sobretudo da parte de instituições oficiais de ensino, fomento, pesquisa e extensão rural, que deveriam vestir-se na camisa  da peculiares condições das nossas privilegiadas terras secas. Acredito que, no tempo de uma geração, se possa, nessa direção, flanquear a crônica pobreza do campo nordestino;

2. Desprezar completamente, como base, as lavourinhas temporárias lotéricas, exigentes de água, tipo milho, feijão, sorgo, mamona, arroz, etc. Por enquanto, transferir para as Unidades de Assistência Social a distribuição que se faz dessas sementes equivocadas, para não agredir de topo um vício popular que foi consagrado em torno delas, pelo vácuo de reflexões e decisões;

3. Produzir e distribuir, a preços subsidiados, sementes de forrageiras perenes para pastejo ou fenação e seu consórcio com plantas xerófilas passíveis de serem convertidas em lavouras regulares, harmonizadas com os caprichos do clima. Além dos capins perenes da Índia e do Norte da África, há fantásticas leguminosas nativas nas terras secas do NE, inclusive as que australianos buscaram aqui em 1903, tratados como “pragas” nas roças incertas do Sertão;

4 . Consolidar a produção de finas e típicas especiarias vegetais – frutas de plantas perenes sobretudo nas manchas irrigáveis artificialmente (1,5) do Semi-Árido, produção a ser direcionada preferencialmente, para o mercado interno, o do povo brasileiro;

5. Racionalizar o uso da Caatinga, mediante a defesa inteligente do meio ambiente, com intervenções tecnicamente definidas, que conciliem a proteção do solo e das pessoas. Especialistas dizem que Silvicultores no Semi-Árido deveriam ser Silvo-pecuaristas.

6. Formular uma política decente de financiamentos rurais básicos, ainda mais quando se dispõe de um Fundo Constitucional obrigando a aplicação de 50% no Semi-Árido, o que não está sendo feito, ou se fazendo errado, no mérito das aplicações. As regras do crédito rural para o Semi-Árido teriam que ser referidas à realidade econômica, climática, política e cultural;

7. Priorizar o fomento/apoio agroindustrial, mediante incentivos destinados a quem queira processar matérias primas de produção regional; mais uma vez, repetindo o que a Sudene pensou, no seu coeço.

Poesia Vou ao terreiro de Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva, cearense de Serra de Santana, município do Assaré, nascido em 1909, poeta-cordelista maior) e peço pra ele  recitar seu “ABC do Nordeste Flagelado”, pelo menos o começo do poema, o que couber  no espaço daqui:

“A – Ai como é duro viver / nos estados do Nordeste / quando o nosso Pai Celeste /não manda a nuvem chover, / é bem triste a gente ver / findar o mês de janeiro / depois findar fevereiro / e março também passar / sem o inverno começar /no Nordeste brasileiro // B – Berra o gado impaciente / reclamando o verde pasto, / desafigurado no arrasto / com o olhar de penitente / o fazendeiro, descrente / um jeito que não pode dar / o sol ardente a queimar / e o vento forte soprando, / a gente fica pensando / que o mundo vai se acabar // C- Caminhando pelo espaço / como os trapos de um lençol, / p’ras bandas do pôr do sol / as nuvens vão em fracasso; / aqui e ali um pedaço / vagando… sempre vagando / quem estiver reparando / faz logo a comparação / de umas pastas de algodão / que o vento vai carregando.”

 
JORNAL DE WM
por Woden Madruga

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