Setembro Amarelo: Campanha oferece apoio na prevenção do suicídio

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Cercadas de tabus e desinformação, a prevenção ao suicídio e a forma como se deve lidar com os transtornos mentais têm atraído a atenção de diferentes setores da sociedade como questões de saúde pública.

O bem-estar da mente, que traz impactos para a saúde como um todo, tornou-se alvo de iniciativas de entidades civis, movimentos sociais e órgãos públicos, depois de muito tempo sendo tratado como assunto intocável, que, por mexer com a intimidade, não pudesse ser discutido em nenhuma situação. Como se o problema deixasse de existir só por não se falar sobre ele.

As estatísticas mostram exatamente o contrário. Em balanço divulgado em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, por ano, cerca de 800 mil pessoas cometam suicídio no mundo, o que representa uma morte a cada 40 segundos. Apesar de afetar todo tipo de paciente, independentemente da classe social, o problema atinge, em especial, as nações em desenvolvimento, que concentram 79% dos casos.

No Brasil, de acordo com levantamento do Ministério da Saúde também lançado no ano passado, foram notificadas, em 2016, 11.433 mortes por suicídio, uma taxa de 5,8 por 100 mil habitantes.

O problema passa pelo contexto social e familiar do indivíduo e pela visão que ele tem sobre a vida. “Muitas vezes é um ato de desespero, quando a pessoa não vê um sentido para a vida, não constrói narrativas de que há outras possibilidades de saída. Mas normalmente acontece ou por questões psicossociais ou por escolhas conscientes, não atreladas a um transtorno, ou por sofrimento psíquico“, avalia a psicóloga clínica Maysa Bezerra, do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem (CPPL), localizado no bairro das Graças, Zona Norte do Recife.

Hoje há um consenso entre as entidades de saúde de que o suicídio pode ser prevenido. Para que as pessoas tomem consciência disso e atuem para evitar novos casos, desde 2015, a campanha Setembro Amarelo, organizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Centro de Valorização da Vida (CVV) e Conselho Federal de Medicina (CFM), estimula organizações, empresas e voluntários a transmitirem conhecimento e oferecerem apoio a quem precisa de ajuda. O mês de setembro foi escolhido em alusão ao Dia de Prevenção ao Suicídio, na próxima terça-feira (10).

Embora a ação mobilize todas as comunidades, a disponibilidade de amigos, familiares e conhecidos para conversar com quem passa por transtornos emocionais não substitui o acompanhamento profissional. “Compartilhar a dor é necessário, mas o terapeuta fez uma formação para estudar os fenômenos da mente humana. As duas coisas não são excludentes, mas o amigo pode estar muito próximo daquela situação que a pessoa vive e pode ter dificuldade de apontar saídas. Fora que na terapia há uma sistemática de falar sobre aquilo numa determinada hora, local, e o amigo pode não estar disponível até por questões objetivas“, salienta.

Programações e serviços
Em virtude do Setembro Amarelo, ao longo do mês, estão previstas diversas ações em Pernambuco. A partir deste domingo, o CVV no Recife promove a Semana de Valorização da Vida, que segue até o dia 14 de setembro, com plantões de escuta em locais públicos, palestras, sessão de cinema e rodas de canções e conversas sobre qualidade de vida. A programação está disponível no Facebook da entidade, que atende pessoas em dificuldade pelo 188. A ligação é gratuita e pode ser feita em qualquer horário.

O valor da fala
Coordenador de divulgação do CVV em Pernambuco, Roberto Maia diz que, no Estado, a entidade realiza, em média, 6 mil atendimentos por mês. Segundo ele, é preciso quebrar o estigma em torno do suicídio, com uma abordagem destacando os canais de apoio disponíveis para a população. “As próprias famílias que vivem o luto, por receio de julgamentos, têm uma certa resistência para notificar os casos. A gente tenta não enfatizar a metodologia utilizada [pela pessoa que cometeu o ato] e puxa para a prevenção“, afirma.

Voluntário da organização há pouco mais de um ano, Roberto aprendeu, com a própria experiência, a importância de falar sobre o assunto. Há 12 anos, ao perder a filha caçula de 14 anos, o analista de sistemas vivenciou o luto no silêncio. “Eu passei quase 10 anos sem conseguir assimilar, tentando achar uma justificativa. A dor era tão grande que eu nem conseguia comentar. Sequer a palavra ‘suicídio’ eu conseguia ver na minha frente. Ficava com aquilo guardado, não dividia com ninguém. Mesmo com a minha esposa e meus filhos, não tinha capacidade de falar. Isso tornou o sofrimento mais contundente“, conta.

A mudança de perspectiva veio quando ele participou de sessões de programação neurolinguística, conjunto de técnicas terapêuticas e de comunicação que o ajudou a ressignificar suas experiências. “Consegui transformar essa dor numa força para ajudar as pessoas que passam pelo mesmo problema“, diz. Essa força da fala para romper com o tabu que alimenta o sofrimento pode ser incentivada a partir da escuta aberta, sem menosprezar o que o outro sente. “Se diz, por exemplo, que é frescura, a pessoa vai se inibir mais e isso impossibilita de falar sobre aquilo. E não falar sobre a dor pode piorar um quadro de depressão e até levar a um suicídio“, alerta a psicóloga Maysa Bezerra.

O psiquiatra Frederick Lapa, da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria, explica que o comportamento suicida é a última etapa de um longo processo. “É como uma pirâmide. O suicídio está na ponta. Se a gente for descendo para a base e alargando, tem lá no início pensamentos vagos de morte até pensamentos mais consistentes e a pessoa planejar. Então há toda uma gradação que a gente orienta na conversa com o paciente e nas campanhas educacionais a identificar. Tem que ver se esses pensamentos vêm com tristeza, falta de energia“, diz. O médico atua no Núcleo de Atenção à Saúde do Estudante (Nase) da Universidade Federal de Pernambuco, que oferece atendimento a alunos de baixa renda que estudam na instituição.

Autoconhecimento
A busca pelo autoconhecimento é outro aspecto que pode ser determinante para a preservação da saúde mental. Aliada ao tratamento psiquiátrico, com uso de antidepressivos, a psicanálise formou o contexto que tirou Vinícius Villar, 23, da depressão. Entre 2016 e 2017, sentindo-se desmotivado, o estudante de psicologia trancou a faculdade ao fim do primeiro período. Retomou as atividades somente depois de um ano e meio. “Eram muitos problemas familiares, ficava deitado sem energia. Tinha insônia, trocava a noite pelo dia. Foi uma época de abuso de álcool e outras drogas, vivia em festas e assim ia levando”, recorda.

À medida que se afastava dos compromissos, Vinícius percebeu que queria fugir das responsabilidades. “Eu sentia uma falta de sentido nas coisas, uma letargia de pensar no futuro. Para mim, o agora era sempre mais importante. Queria sobreviver o dia de hoje“, lembra. “A primeira vez que eu fui ao psiquiatra, ele era especialista em TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) e me passou um medicamento. Não deu certo, fiquei muito nervoso e comecei a pesquisar. Foi quando procurei outro psiquiatra e fiz terapia“.

Nesse processo, o quadro clínico de sua mãe, que se tratava de um câncer, se agravava. Ela morreu em novembro de 2016. Apesar da perda, ele enfrentou o luto, seguiu o tratamento, retomou os estudos e hoje mora em um apartamento com a namorada, que conheceu na faculdade. “O que foi fundamental foi desmistificar. É difícil admitir [a doença]? É. É difícil buscar ajuda? Também é. Muitas vezes, quando você está no fundo do poço, quer continuar lá, porque sair dele é trabalhoso. Mas é só ir aos pouquinhos, se conhecer, conversar com profissional e ter fé que vai conseguir voltar a tocar sua vida de acordo com o seu desejo. Dia após dia“, afirma.

FolhaPE

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